Turma da Mônica, o império familiar de Mauricio de Sousa
Quarto maior estúdio de animação do mundo não segue a cartilha de grandes corporações
Roberto Setton
Mauricio de Sousa (Roberto Setton)
Jogadores de futebol, então, são um caso à parte: tantos contam com turmas (Pelezinho, Ronaldo, Ronaldinho, Dieguito e Neymar) que nossa hipotética Cidade Maurícia abrigaria um dos campeonatos do esporte mais disputado do planeta. A mesma teria ainda seu cemitério (onde reinaria a turma do Penadinho), seus adolescentes (Mônica Jovem) e, em seu entorno, uma densa floresta habitada por índios da turma do Papa-Capim e pelos animais da turma da Mata.
Mas o que poucos sabem é que tantos personagens são geridos por uma companhia sui generis: em uma época de corporações impessoais e profissionalizadas, a Mauricio de Sousa Produções Ltda. (MSP) é uma empresa fortemente familiar, com partes de sua estrutura produtiva ainda artesanais, constante presença de seu fundador e presidente pelos corredores – e valor estimado em bilhões de dólares.
Roberto Setton
É um império, mas (e este é o ponto mais interessante da estrutura da MSP) trata-se de um império familiar que, ao contrário de outros do tipo, funciona. Dos dez filhos do empresário, nada menos que sete estão na companhia, e em postos de comando – a começar por Mônica Sousa, diretora comercial. Sua atual esposa, Alice Takeda, lidera os roteiristas. Uma filha de Mauricio e Alice, Marina, herdou o talento do pai para o desenho e trabalha ali nesta área. Um irmão de Marina, Maurício, atua em uma das mais novas ramificações do grupo, a que trata de games. Há ainda netos do patriarca trabalhando na MSP (“Dois, por enquanto, mas logo serão mais”, conta ele) e uma irmã, Yara Maura, que responde pelo escritório da companhia nos EUA.
A rotatividade de mão de obra é baixa (“As pessoas entram aqui e ficam por décadas. Meu funcionário mais antigo tem 46 anos de casa”) e, de forma incomum para uma corporação desse porte, há várias atividades que ainda são realizadas artesanalmente, como o preenchimento dos balões dos quadrinhos com a fala dos personagens. “Eu poderia botar um computador para fazer isso, mas aí as letrinhas ficariam todas idênticas, seria monótono. E eu não quero perder a ótima funcionária que cuida dessa tarefa”, explica Mauricio. Não se tem notícia de estúdio algum com o porte da Mauricio de Sousa Produções (que, aliás, é a quarta maior empresa do tipo no mundo) que trabalhe sob tais parâmetros.
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Ele defende o modelo de gestão que pratica. “Eu não saberia trabalhar em uma empresa que não fosse familiar. Eu preciso de turma, de contato, desse papo com os parentes, das intervenções da Mônica. Aprendi muito com meus filhos ao longo do tempo; minha filha mais velha tem mais de 50 anos, o mais novo tem 14. Estar ao lado deles é uma escola maravilhosa para mim sob todos os aspectos”, diz. Mauricio afirma não se considerar um empresário (ele se vê sobretudo como quadrinista), mas é claro que é. Um dos mais peculiares do Brasil, e inequivocamente bem-sucedido.
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Vale lembrar que uma das crianças da turma da Mônica, o Xaveco, é filho de pais separados; mas o único personagem aparentemente – porém não declaradamente – homossexual já surgido nas revistinhas da empresa (Caio, amigo de Tina) apenas deu as caras rapidamente dois anos atrás e, depois disso, não foi mais visto. Em contrapartida, Mauricio já criou personagens soropositivos e outros portadores de deficiências visual, auditiva e motora, bem como autismo e síndrome de down – todos representados de forma simpática e humana nas histórias.
E para onde vai agora a MSP? Existem duas linhas que devem ser seguidas. A primeira é a área pedagógica: cartilhas voltadas à alfabetização e revistas em línguas como inglês e espanhol (que já existem e são sucesso de vendas) para ajudar as crianças a conhecerem outros idiomas. “As pessoas nos veem com um cunho social, educacional. Já empregam nosso material com fins didáticos e paradidáticos”, pondera Mônica de Sousa. “Temos autorizado de 100 a 200 pedidos por mês de uso dos personagens em publicações educativas.”
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Em breve estará nas bancas a versão “Jovem” do Chico Bento (o qual vai cursar faculdade de agronomia e morará em uma república de estudantes) e uma grande estreia: um novo personagem, Marcelinho, que se dedicará a ensinar às crianças como cuidarem de seu dinheiro (mesmo que seja só o da mesada). Marcelinho nascerá inspirado no filho caçula do quadrinista, Marcelo.
Mauricio nasceu na pequena cidade paulista de Santa Isabel, a 57 quilômetros de São Paulo. Seu pai, Antonio Mauricio de Souza, também era um artista, mas nunca conseguiu firmar-se nessa carreira. O cartunista José Alberto Lovetro (conhecido como Jal), assessor de comunicação de Mauricio, conta que o pai do futuro quadrinista, ao perceber que seu filho mostrava interesse por desenho, deu-lhe um conselho precioso: “Mauricio, para dar certo nesse trabalho, divida sempre o dia em duas partes – pela manhã, cuide de sua arte; à tarde, cuide dos seus negócios”.
Está claro que o filho resolveu seguir o conselho paterno, e deu conta muito bem de ambas as tarefas. Seu Antonio, certamente, estaria orgulhoso se pudesse vê-lo agora.
Roberto Setton
Dona de um gênio forte, decidida, questionadora e organizada: assim é Mônica. Mas não (ou não apenas) a dos gibis; essas são as características de Mônica Spada e Sousa, a segunda filha de Mauricio, que inspirou a personagem e é o contraponto prático ao ramo artístico da família. Mônica é a executiva da turma do Mauricio.
“Gostaria muito de contar quanto ganhamos sobre o preço de capa das revistas, porque sempre acho que recebemos pouco. As empresas que licenciam nossos personagens cada vez querem pagar menos royalties. Já eu, é claro, quero o contrário”, diz. Internamente, ela também é uma lutadora: “Há algum tempo consegui, após muita luta, abrir dentro da MSP um departamento de design que serve só à área comercial. Ninguém queria isso, só eu. Foi uma briga grande, na base da coelhada mesmo”, conta, com um leve sorriso.
Com a óbvia exceção de seu pai, ela é o membro da família que há mais tempo está na empresa. Começou como vendedora na antiga Lojinha da Mônica aos 18 anos, e conta ter sofrido preconceito por ser filha do dono. Já atravessou fases extremamente tensas na MSP: “Tanto que já pedi demissão várias vezes”. Demissão? “Sim, mas meu pai nunca aceitou. Ele foge de mim quando vê que estou brava e só reaparece quando me acalmo”, diz, agora às gargalhadas.
Mônica aparenta menos que seus 52 anos. É formada em desenho industrial e mãe de dois filhos (um dos quais trabalha na MSP). Após Mauricio, é talvez quem melhor personifica a empresa. “Ficamos 16 anos na Abril e saímos porque não aceitávamos as baixas tiragens de nossos gibis. Fomos para a Globo e, em um mês, a tiragem de nossas revistas dobrou – e depois triplicou, e depois quadruplicou. Provamos que a demanda por nossos produtos não vinha sendo atendida”, relata. “Infelizmente, depois de algum tempo começamos a discordar também da Globo em alguns aspectos. Em 2006 mudamos novamente e agora somos editados pela Panini, que tem se mostrado uma grande parceira”, diz ela.
“Creio que abriremos o capital em algum momento, desde que o controle fique com meu pai. Quanto à sucessão, já estamos cuidando disso. Um escritório foi contratado para organizá-la”, conta ela. “Sobretudo, amo meus irmãos, embora, é claro, possa ter mais afinidade com uns e menos com outros. Mas sabemos que precisamos nos manter em acordo. Disso depende o futuro da empresa”, finaliza Mônica, com uma franqueza que não cairia mal em sua xará dos quadrinhos.
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